quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Guerra Civil Espanhola



A Guerra Civil na Espanha - 1936 - 1939

A Guerra Civil espanhola (1936-39) foi o acontecimento mais traumático que ocorreu antes da 2ª Guerra Mundial. Nela estiveram presentes todos os elementos militares e ideológicos que marcaram o século XX.

De um lado se posicionaram as forças do nacionalismo e do fascismo, aliadas as classes e instituições tradicionais da Espanha (O Exército, a Igreja e o Latifúndio) e do outro a Frente Popular que formava o Governo Republicano, representando os sindicatos, os partidos de esquerda e os partidários da democracia.

Para a Direita espanhola tratava-se de uma Cruzada para livrar o país da influência comunista e da franco-maçonaria e restabelecer os valores da Espanha tradicional, autoritária e católica. Para tanto era preciso esmagar a República, que havia sido proclamada em 1931, com a queda da monarquia.

Para as Esquerdas era preciso dar um basta ao avanço do fascismo que já havia conquistado Itália (em 1922), a Alemanha (em 1933) e a Áustria (em 1934). Segundo as decisões da Internacional Comunista, de 1935, elas deveriam aproximar-se dos partidos democráticos de classe média e formarem uma Frente Popular para enfrentar a maré de vitorias nazi-fascistas. Desta forma Socialistas, Comunistas (estalinistas e troskistas) Anarquistas e Democratas liberais deveriam unir-se para chegar e inverter a tendência mundial favorável aos regimes direitistas.

Foi justamente esse conteúdo, de amplo enfrentamento ideológico, que fez com que a Guerra Civil deixasse de ser um acontecimento puramente espanhol para tornar-se numa prova de força entre forças que disputavam a hegemonia do mundo. Nela envolveram-se a Alemanha nazista e a Itália fascista, que apoiavam o golpe do Gen. Franco e a União Soviética que solidarizou-se com o governo Republicano.

Antecedentes da guerra

A Espanha ainda nos 30 era um anacronismo histórico. Enquanto a Europa ocidental já possuía instituições políticas modernas, no mínimo a um século a Espanha era um oásis tradicionalista, governada pela "trindade reacionária"(O Exército, a igreja católica e o Latifúndio), que tinha sua expressão última na monarquia burbônica de Afonso XIII. Vivia nostálgica do seu passado imperial grandioso, ao ponto de manter um excessivo número de generais e oficiais (1 general para cada 100 soldados, o maior percentual do mundo), em relação às suas reais necessidades.

A igreja, por sua vez, era herdeira do obscurantismo e da intolerância dos tribunais inquisitoriais do santo Oficio, era uma instituição que condenava a modernidade como obra do demônio. E no campo, finalmente, existiam de 2 a 3 milhões de camponeses pobres, los braceros, submetidos às práticas feudais e dominados por uns 50 mil hidalgos, proprietário de metade das terras do país.

Como resultado da grave crise econômica de 1930 (iniciada pela quebra da bolsa de valores de N. Iorque, em 1929), a ditadura do Gen. Primo de Rivera, apoiada pelo caciquismo (sistema eleitoral viciado que sempre dava seus votos ao governo), foi derrubada e, em seguida, caiu também a monarquia. O Rei Afonso XIII foi obrigado a exilar-se e proclamou-se a República em 1931, chamada de "República de trabajadores".

A esperança era que doravante a Espanha pudesse alinhar-se com seus vizinhos ocidentais e marchar para uma reforma modernizante que separasse estado e igreja e que introduzisse as grandes conquistas sociais e eleitorais recentes, além de garantir o pluralismo político e partidário e a liberdade de expressão e organização sindical. Mas o país terminou por conhecer um violento enfrentamento de classes, visto que à crise seguida por uma profunda depressão econômica, provocando a frustação generalizada na sociedade espanhola.

Os partidos políticos

As esquerdas, obedecendo a uma determinação do Comintern (a Internacional Comunista controlada pela URSS), resolveram unir-se aos democratas e liberais radicais num Fronte Popular para ascender ao poder por meio de eleições. As esquerdas espanholas estavam divididas em diversos partidos e organizações, entre as quais:

PSOE (Partido Socialista Obreiro Espanhol) Socialistas
PCE (Partido Comunista Espanhol) Comunistas
POUM (Partido Obreiro da Unificação Marxista) Comunistas-trotsquistas
UGT (União Geral dos Trabalhadores) Sindical Socialista
CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) Sindical Anarquista
FAI (Federação Anarquista Ibérica) Anarco-Sindicalista


Elas aliaram-se com os Republicanos (Ação republicana e Esquerda republicana) e mais alguns partidos autonomistas (Esquerda catalã, os galegos e o Partido Nacional Basco). Essa coligação, venceu as eleições de fevereiro de 1936, dominando 60% das Cortes (O parlamento espanhol), derrotando a Frente Nacional, composta pelos direitistas.

A Direita por sua vez estava dividida agrupada na CEDA (Confederação das Direitas autônomas), no partido agrário, nos monarquistas e tradicionalistas (carlistas) e finalmente pelos fascistas da Falange espanhola (liderados por José Antônio).

A Guerra Civil na Espanha - O golpe militar e a guerra civil

O clima de turbulência interna motivado pela intensificação da luta de classes, especialmente entre anarquistas e falangistas que provocou inúmeros assassinatos políticos contribui para criar uma situação de instabilidade que afetou o prestígio da Frente Popular. Provavelmente as desavenças internas dos integrantes do Fronte Popular mais tarde ou mais cedo fariam com que o governo desandasse.

Mas a direta espanhola estava entusiasmada com o sucesso de Hitler (aplastamento das esquerdas na Alemanha, remilitarização da Renânia, etc...) que se somou ao golpe direitista de Dolfuss na Áustria, em 1934. Derrotados nas eleições os direitistas passaram a conspirar com os militares e a contar com o apoio dos regimes fascistas (Portugal, com Oliveira Salazar, Alemanha com Hitler e a Itália de Mussolini). Esperavam que um levante dos quartéis, seguido de um pronunciamento dos generais, derrubariam facilmente a República.

No dia 18 de julho de 1936, o Gen. Francisco Franco insurge o Exército contra o governo republicano. Ocorre que nas principais cidades, como a capital Madri e Barcelona, a capital da Catalunha, o povo saiu as ruas e impediu o sucesso do golpe. Milícias anarquistas e socialistas foram então formadas para resistir o golpe militar.

O país em pouco tempo ficou dividido numa área nacionalista, dominado pelas forças do Gen. Franco e numa área republicana, controlada pelos esquerdistas. Nas áreas republicanas ocorreu então uma radical revolução social. As terras foram coletivizadas, as fábricas dominadas pelos sindicatos, assim como os meios de comunicação. Em algumas localidades, os anarquistas chegaram até a abolir o dinheiro.

Em ambas as zonas matanças eram efetuadas através de fuzilamentos sumários. Padres, militares e proprietários eram as vítimas favoritas dos "incontroláveis", as milícias anarquistas, enquanto que sindicalistas, professores e esquerdistas em geral, eram abatidos pelos militares nacionalistas.

A intervenção estrangeira

Como o golpe não teve o sucesso esperado, o conflito tornou-se uma guerra civil, com manobras militares clássicas. O lado nacionalista de Franco conseguiu imediato apoio dos nazistas (Divisão Condor, responsável pelo bombardeamento de Madri e de Guernica) e dos fascistas italianos (aviação e tropas de infantaria e blindados) enquanto que Stalin enviou material bélico e assessores militares para o lado republicano.

A pior posição foi tomada pela França e a Inglaterra que optaram pela "Não-Intervenção". Mesmo assim, não foi possível evitar o engajamento de milhares de voluntários esquerdistas e comunistas que vieram de todas as partes (53 nacionalidades) para formar as Brigadas Internacionais (38 mil homens) para lutar pela defesa da República.

A crise entre as esquerdas

Stalin temia que a revolução social desencadeada pelos anarquistas e trotsquistas pusesse em perigo a defesa da República. Ordenou então que o PC espanhol comandasse a supressão das milícias (que seriam absorvidas por um exército regular) e um expurgo no POUM (uma pequena organização pró-trotsquista). O que foi feito em maio de 1937. Essa divisão íntima das esquerdas, entre pró-revolução e pró-república, debilitou ainda mais as possibilidades defensivas do governo republicano.

A Guerra Civil na Espanha - O fim da guerra

A superioridade militar do Gen. Franco, a unidade que conseguiu impor sobre as direitas, foi fator decisivo na sua vitória sobre a República. Em 1938 suas forças cortam a Espanha em duas partes, isolando a Catalunha do resto do país. Em janeiro de 1939, as tropas do gen. Franco entram em Barcelona e, no dia 28 de março, Madri se rende aos militares depois de ter resistido a poderosos ataques (aéreos, de blindados e de tropas de infantarias), por quase três anos. As baixas da Guerra Civil oscilam entre 330 a 405 mil mortos, sendo que apenas 1/3 ocorreu na guerra. Meio milhão de prédios foram destruídos parcial ou inteiramente e perdeu-se quase metade do gado espanhol. A renda percapita reduziu-se em 30% e fez com que a Espanha afundasse numa estagnação econômica que se prolongou por quase trinta anos.

O Bêbado e A Equilibrista - Elis Regina



O Bêbado e A Equilibrista
(João Bosco / Aldir Blanc – 1979)
Intérprete: Elis Regina

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua, tal qual a dona do bordel,
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens, lá no mata-borrão do céu,
Chupavam manchas torturadas, que sufoco!
Louco, o bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil pra noite do Brasil.
Meu Brasil.
Que sonha com a volta do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu num rabo de foguete.
Chora a nossa pátria mãe gentil,
Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil.
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente, a esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se machucar
Asas, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar...

Histórico: Composta em 1979, tornou-se um símbolo da luta pela anistia. Pela volta dos exilados e pela abertura política do regime militar. Carlitos, personagem mais famoso de Charles Chaplin, representa a população oprimida, mas que ainda consegue manter o bom humor, denunciava as injustiças sociais de forma inteligente e engraçada. A Equilibrista dançando na corda bamba, de sombrinha, é a esperança de todo um povo.
Henrique de Sousa Filho, conhecido como Henfil, foi um cartunista, quadrinista, jornalista e escritor brasileiro. Seu irmão, Herbert José de Sousa, conhecido como Betinho, foi um sociólogo e ativista dos direitos humanos brasileiro; concebeu e dedicou-se ao projeto Ação da Cidadania contra a Miséria e Pela Vida. Com o golpe militar, em 1964, mobilizou-se contra a ditadura, sem nunca esquecer as causas sociais. Mas, com o aumento da repressão, foi obrigado a se exilar no Chile em 1971.


Maria era mãe de Betinho (irmão de Henfil) e Clarice mulher do jornalista assassinado na ditadura Vladimir Herzog. Mas Marias e Clarisses, no plural, fazem referência às mães, talvez irmãs ou mulheres de pessoas que se foram, ou mesmo deixaram o nosso país, lutando por um ideal, um sonho, de ver o Brasil livre para a informação e para a expressão das artes.

Elis Regina

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOKRJlxp61hWQJUVcEf09tafQ0rXdqIV2LutjYzdFzVUU2iM8e4RQKVLAHCxHLA1wRWUD5I8DffLmCGq-vm4I2CcYjrHiMWfRFn32S-RRsKHIABQDgaQBtWdGdaZgjXnRxDH4b2ne6YlU/s400/elis+regina@.jpg


Elis Regina Carvalho Costa (Porto Alegre, 17 de março de 1945 – São Paulo, 19 de janeiro de 1982) foi uma cantora brasileira. De morte trágica e prematura, deixou vasta e brilhante obra na música popular brasileira. Sua discografia inclui mais de 35 títulos, com grandes destaques como o LP ELIS,1974 considerado por muitos sua melhor obra. Seu bom gosto pela música rende-a a "descoberta" de grandes nomes como Milton Nascimento e Gilberto Gil. Foi apelidada por Vinícius de Moraes de Pimentinha devido ao seu sorriso largo e sua extroversão jovial.

Caetano Veloso

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b1/Caetano_Veloso_at_TIM_Festival.jpg
Caetano Emanuel Viana Teles Veloso (Santo Amaro da Purificação, 7 de agosto de 1942) é um músico e escritor brasileiro. Considerado um dos melhores compositores do século XX[1], já foi comparado, em termos de relevância para a música pop internacional, a nomes como Bob Dylan, Bob Marley e Lennon/McCartney.

Nascido na Bahia, é o quinto dos oito filhos de José Teles Velloso (Seu Zezinho), funcionário público dos Correios falecido em 13 de dezembro de 1983 aos 82 anos, e Claudionor Viana Teles Velloso (Dona Canô), nascida em 16 de setembro de 1907. Casaram-se em 7 de janeiro de 1931.

O nome da irmã foi por ele escolhido inspirado em uma canção famosa da época (18 de junho de 1946) na voz do cantor Nélson Gonçalves, Maria Bethânia, do compositor Capiba. Na infância, foi fortemente influenciado por arte, música, desenho e pintura; as maiores influências musicais desta época foram alguns cantores em voga na época, como "o rei do baião" Luiz Gonzaga, e canções de maior apelo regional, como sambas de roda e pontos de macumba. Em 1956 frequentou o auditório da Rádio Nacional, na capital fluminense, que contava com apresentações dos maiores ídolos musicais brasileiros. Em 1960 mudou-se para Salvador, onde aprendeu a tocar violão. Apresentou-se em bares e casas noturnas de espetáculos. Nesta época, o interesse por música se intensificou. Cedo na carreira retirou um "l" de seu nome, optando por Caetano Veloso.

Ditadura militar

Desde o início da carreira, Veloso sempre demonstrou uma posição política contestadora, sendo até confundido como um militante de esquerda, ganhando por isso a inimizade do regime militar instituído no Brasil em 1964 e cujos governos perduraram até 1985. Por esse motivo, as canções foram frequentemente censuradas neste período, e algumas até banidas. Em 27 de dezembro de 1968, Veloso e o parceiro Gilberto Gil foram presos, acusados de terem desrespeitado o hino nacional e a bandeira brasileira. Foram levados para o quartel do Exército de Marechal Deodoro, no Rio, e tiveram suas cabeças raspadas.

Ambos foram soltos em 19 de fevereiro de 1969, quarta-feira de cinzas, e seguiram para Salvador, onde tiveram de se manter em regime de confinamento, sem aparecer nem dar declarações em público. Em julho de 1969, após dois shows de despedida no Teatro Castro Alves, nos dias 20 e 21, Caetano e Gil partiram com suas mulheres, respectivamente as irmãs Dedé e Sandra Gadelha, para o exílio na Inglaterra. O espetáculo, precariamente gravado, se transformou no disco Barra 69, de três anos mais tarde.

Antes de partir para o exílio, em abril e maio de 1969, Caetano gravou as bases de voz e violão do próximo disco, Caetano Veloso, que foram mandadas para São Paulo, onde o maestro Rogério Duprat faria os arranjos e dirigiria as gravações do disco, lançado em agosto - um dos únicos que não traz uma foto sua na capa. No repertório, destaque para as canções Atrás do trio elétrico (lançada em novembro em compacto simples com Torno a repetir), Irene feita na cadeia em homenagem à irmã, o grande sucesso Marinheiro só, e regravações de Carolina, de Chico Buarque (regravada muitos anos depois no CD Prenda minha) e o tango argentino Cambalache.

A canção Não identificado, desse mesmo disco, foi lançada em novembro em compacto simples, juntamente com Charles anjo 45, de Jorge Ben, em dueto com o próprio. Além disso, também trabalhou como produtor musical, com João Gilberto (João voz e violão), Jorge Mautner (Antimaldito), Gal Costa (Cantar, cujo espetáculo originado deste também foi dirigido por ele) e a irmã Maria Bethânia (Drama - Anjo Exterminado, com faixa-título da autoria), caracterizando-se também por numerosas canções gravadas por outros intérpretes.

Alegria Alegria - Caetano Veloso



Alegria, Alegria

Caetano Veloso

Composição: Caetano Veloso

Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou...

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou...

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot...

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou...

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não...

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou...

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou...

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil...

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou...

Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...

Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...

ANÁLISE:

O SUCESSO DA DÉCADA DE 1960

A música Alegria, alegria, de Caetano Veloso é uma dessas canções que se cristalizam no imaginário público como se fosse sem autor definido: de domínio público e, por isso mesmo, eleva o seu compositor à categoria dos grandes autores da música brasileira e, a própria música, à categoria dos clássicos.

Esta letra em questão funcionou como um dos pontos de partida e até síntese do movimento tropicalista ocorrido principalmente na nossa música durante as décadas de 60 e 70, do século passado. O Tropicalismo, movimento sócio-cultural iniciado a partir de 1967, surgiu principalmente na música, mas acabou influenciando toda a cultura nacional, pois retomava basicamente elementos da Antropofagia, do Modernismo Brasileiro, e outros elementos da contra-cultura, da ironia, rebeldia, anarquismo e humor ou terror anárquico.

A paródia, a crítica à esquerda intelectualizada, a não-aceitação de qualquer forma de censura, a sedução dos meios de comunicação de massa, o retrato da realidade urbana e industrial, a exploração do ser humano, tudo isso, todos esses elementos montado com uma colagem de fragmentos do dia-a-dia nas grandes cidades do país, eram, de fato, os princípios norteadores da arte tropicalista.

CONTEXTO HISTÓRICO

O panorama sócio-histórico da época desta canção era de total arrogância direitista. Estávamos em plena Ditadura Militar, especificamente nos “anos de chumbo”, como era chamado o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, conhecido como o mais duro e repressivo do período. Nestes anos, a repressão e a luta armada crescem e uma severa política de censura é colocada em execução. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, músicas e outras formas de expressão artística são proibidas. Alguns partidos políticos passaram para a ilegalidade e a UNE (União Nacional dos Estudantes) teve seu prédio incendiado. Muitos professores, intelectuais, artistas, políticos, jornalistas e escritores são investigados, presos, torturados, exilados ou assassinados.

O Regime Militar fora imposto com um grande golpe desde 1964 e, naquele final de década, já havia as revoltas contra esta ditadura. Os estudantes iam às ruas protestar contra um governo ditatorial, que destruía as universidades, deixando-as reféns do sistema de negação do conhecimento, e a população já participava de lutas e passeatas contra o regime militar, mesmo estas sendo proibidas pelos militares.

A cultura importada era alienante, por isso, Caetano usa palavras como Brigitte Bardot, Cardinales (em referencia á atriz ítalo-americana Claudia Cardinale) e coca-cola (maior símbolo do império norte-americano, que financiava os exércitos em toda a América Latina).

Mas, os anos 60 foram a grande década revolucionária: os anos da minissaia, dos hippies, dos homens de cabelos compridos, da pílula anticoncepcional e, consequentemente da revolução feminina e da liberação sexual. Assim como surgiram ídolos impostos e fabricados pela mídia principalmente nos EUA, também surgiram símbolos de uma época que marcaram tanto pela alienação, quanto pela imposição de um comportamento novo ou pela exposição da exploração sofrida pelo ser humano. Neste patamar, aparecem ídolos da cultura pop e líderes sociais e políticos, como os Beatles, Rolling Stones, Jonh Kennedy, Martin Luther King, Fidel Castro e Che Guevara. Também fazem parte deste contexto histórico, a Guerra do Vietnã, a viagem à Lua, feminismo, lutas pelo aborto e pelo divórcio e a prática do amor livre, tendo como expoente principal o festival de Woodstok, que marcou o planeta com o poder de transformação da sociedade pela juventude. No Brasil, era a época dos grandes festivais de música, do ufanismo dos militares e das obras faraônicas erguidas a partir de grandes empréstimos. Os ídolos da música cantavam versões de sucessos norte-americanos ou europeus. Surgia a Jovem Guarda e logo depois a Bossa Nova. A cultura de massa tupiniquim começava a virar produto de exportação.

A MÚSICA E SUA INTENÇÃO

Escrita, musicada e interpretada pelo cantor e compositor Caetano Veloso, em novembro de 1967, “Alegria, alegria” ajudou a criar o estilo hoje intitulado de MPB e deslocou a expressão artística musical brasileira para o cenário da crítica social, em um ativismo político sem precedentes na história de outro tipo de arte no mundo. Graças a isso, Caetano Veloso teve grande parte de sua obra censurada pelo regime militar. Chegou a ser preso, junto com seu parceiro musical e amigo, Gilberto Passos Moreira, o Gilberto Gil, também cantor e compositor baiano e atual ministro da cultura do Governo Lula. Os dois artistas ficaram exilados em Londres por quase dois anos. Caetano era classificado para o governo no Brasil como “persona nom gratta”, uma expressão latina que corresponderia a mal-agradecido e, por isso, mal-vindo de volta à pátria. Até 1972, quando ambos voltam do exílio.

“Alegria, alegria” chegou a ser tema de novela da Rede Globo (Sem lenço e sem documento, na década de 80), quando o Regime Militar já estava perdendo o seu máximo poder. Na canção, é relatada a opressão sofrida pelo cidadão comum, nas ruas, nos meios de comunicação, em sua cultura nativa, no seu próprio país. A letra denuncia o abuso de poder de forma metafórica “caminhando contra o vento/sem lenço e sem documento”; a violência praticada pelo regime “sem livros e sem fuzil,/ sem fome, sem telefone, no coração do Brasil”; e a precariedade na educação brasileira proporcionada pela ditadura que queria pessoas alienadas: “O sol nas bancas de revista /me enche de alegria e preguiça/quem lê tanta notícia?”.

Podemos pegar como exemplo também de formas alienantes, elementos externos à cultura nacional, como alguns símbolos impostos pelo cinema norte-americano que exportava/exporta seus ídolos como: Cardinale, Brigitte Bardot e a coca-cola, principal imposição comercial da mídia na época.

Para dar exemplos dos desníveis sociais existentes no Brasil e as diferenças regionais, o autor se utiliza de um expediente inovador. Através de comparações aparentemente desconexas e fazendo uso de metáforas, faz a denúncia dos contrastes regionais, sociais ou econômicos, como nos versos: “Eu tomo uma coca-cola,/Ela pensa em casamento”, “Em caras de presidente/em grandes beijos de amor/em dentes, pernas, bandeiras, bomba e Brigitte Bardot.”

INTERTEXTUALIDADE

Ao começar a audição da música ou simplesmente da leitura da letra, é impossível não lembrar dos versos de outra canção dessa época de censura. Trata-se de “Para não dizer que não falei das flores”, do cantor paraibano Geraldo Vandré, também perseguido pelo Governo Militar, que convocava o povo para ir às ruas e lutar contra a ditadura vigente. As duas músicas se iniciam com a palavra “Caminhando” e isso já é um grande motivo para suscitar na população à lembrança da outra. Só depois de Geraldo Vandré ter vencido um grande festival de música com esta canção e, também pelo fato dela ter sido proibida e os discos terem sido destruídos pelo governo, é que Caetano tem sua música Alegria, alegria também proibida. Era comum a destruição ou apreensão de discos ou fitas por parte do governo militar, alguns exemplos são da música Ovelha Negra, de Rita Lee e, mais recentemente, o disco de lançamento da banda de rock carioca Blitz foi censurado em duas faixas, que foram expressamente riscadas dos discos de vinil, em 1981.

Outro compositor que sofreu muitas perseguições da ditadura foi Chico Buarque, que teve inúmeras músicas censuradas ao longo da carreira. No entanto, o cantor e compositor carioca, amigo e contemporâneo de Caetano Veloso, aprendeu a “driblar” a censura por meio do uso de palavras metafóricas, como na música “Apesar de Você”, gravada primeiramente por Clara Nunes, que criticava o governo ditatorial como se fosse uma relação afetiva entre um homem e uma mulher.

“Alegria, alegria” já começa poética desde o título. O que é também característica da obra de Caetano, fazer um certo ritmo nos títulos de suas obras, seja repetindo palavras ou juntando palavras com sons parecidos, produzindo aí uma aliteração. Como nos exemplos: “London, London”, “Podres Poderes”, “Minha Voz, Minha Vida”, “Araçá Azul” ou “Pássaro Proibido”.

CAETANO VELOSO

O mais ilustre filho de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, filho da centenária Dona Canô, Caetano Emanuel Viana Teles Velloso é um caso à parte na complexa teia de sons e poesias que permeiam a música popular brasileira. Ele tem acesso livre a todas as tribos da música atual, pois viaja por todos os estilos e ritmos, passando facilmente do inovador pop ao incontestável brega, com um forte apelo popular. Ao tempo que dá sempre uma nova leitura às músicas que interpreta, compõe melodias nos mais diversos ritmos, inclusive rock leve ou pesado, samba de raiz, romântico comercial, bossa-nova, baião, axé e outros ritmos regionais. É músico, arranjador, produtor, escritor, cineasta, além de cantor e compositor. Por isso, é considerado um dos grandes intelectuais da contemporaneidade.

Compositor virtuose de pérolas da música romântica como Você é linda, Quero ficar com você, Nosso Estranho Amor, O Leãozinho e Menino do Rio, também é autor de clássicos da MPB engajada, panfletária ou de desbunde, como: Odara, Sampa, Podres Poderes, Tropicália, Fora da Ordem, Haiti e Língua. Foi interpretado por todas as grandes intérpretes da música brasileira da atualidade, começando pela sua irmã Maria Bethânia, a amiga-irmã Gal Costa, a também conterrânea Simone, Zizi Possi, Elba Ramalho, Elza Soares, Leila Pinheiro, Ângela Ro Ro, Marisa Monte, Adriana Calcanhotto, Daniela Mercury, Fafá de Belém, Cássia Eller, Alcione, Rita Lee, Baby do Brasil, Marina Lima e Beth Carvalho, entre outras. Também teve músicas gravadas por cantores como Milton Nascimento, Chico Buarque, Roberto Carlos, Tom Jobim, Gilberto Gil, João Gilberto, Paulo Ricardo, Emílio Santiago, Jorge Bem Jor e muitos outros grandes artistas da MPB.

Quase sempre compõe sozinho letra e melodia, mas também fez várias músicas em parceria, principalmente com Gilberto Gil, Chico Buarque, Jorge Mautner, Jorge Bem Jor e Lulu Santos. Atualmente, encontra-se relativamente afastado de estúdios e televisão. No entanto, apresenta shows regularmente por todo o país e no exterior, principalmente nos Estados Unidos e Europa. Tem cerca de duas mil músicas compostas e pelo menos trinta discos lançados, em uma carreira de mais de 40 anos.

Caetano também se aventurou na literatura, lançando dois livros autobiográficos em que relata muito da história sócio-cultural do Brasil e, no cinema, produziu um filme que não teve muita aceitação do público. Fez muitas trilhas sonoras tanto para filmes, quanto para produções de TV, novelas e minisséries.

Se “Alegria, alegria” não é sua obra mais famosa ou mais lembrada pelos seus fãs, é, pelo menos a mais emblemática de uma época que jamais será esquecida da História do Brasil. E Caetano Veloso foi o grande divulgador deste período de grande revolução popular e de tanta efervescência cultural.

ANÁLISE ESTILÍSTICA:

As figuras de som predominam na letra da música de Caetano Veloso, pois o ritmo é constante, quebrado por palavras e/ou expressões como “eu vou”, no final de cada estrofe. A aliteração está presente tanto na repetição de sons consonantais (consonância) quanto de sons vocálicos (assonâncias), como nos exemplos: “Entre fotos e nomes, sem livros e sem fuzil, sem fone, sem telefone, no coração do Brasil.”: repetição do som do fonema /f/. Nos versos “Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento, no sol de quase dezembro”, percebe-se a presença do fonema /k/. Também nos versos “entre fotos e nomes, sem livros e sem fuzil, sem fone, sem telefone, no coração do Brasil”, percebe-se a presença dos sons vocálicos de /em/. O que se repete também nos versos “sem lenço sem documento, no sol de quase dezembro”.

A presença de outras figuras de linguagem também é predominante no poema, principalmente a metáfora, como nos exemplos: “Em Cardinales bonitas” ou “Caminhando contra o vento”, que tem o valor semântico de “nadando contra a corrente”, uma expressão popular que significa “estar contra”, no caso, lutar contra a Ditadura Militar. No contexto do momento histórico vivido pelo autor na época do Regime Militar, a expressão “caminhando contra o vento” vem reforçar a idéia central do texto: ser do contra, lutar contra as forças armadas pelo regime ditatorial, promover a união da população contra o governo imposto de forma indireta e arbitrária. Idéia corroborada pelo descumprimento das regras gramaticais da língua padrão, como no exemplo: “Me enche de alegria...”, em que a frase é iniciada pelo pronome oblíquo ME.